sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O que nos prende?

Quando adolescente, eu estava quase sempre sozinha. Tive uma educação super-protetora (castradora poderia dizer), o que significa que passava muito tempo com me, myself and I: “superprotegida” em meu quarto, mas à mercê de uma mente caótica.
Meus pensamentos ficavam assim... quicando de uma parede pra outra, atingindo velocidade, até conseguir sair pelos vãos das grades da janela.
Chegavam os surtos de ansiedade, do “e agora”, do “sair correndo pra qualquer lugar”. Mas pra onde, meu Deus. Pra onde? E aquela onda enorme e tsunâmica de pensamentos que eu não tinha como dar vazão acabava por me afogar sempre: a mente deseja executar coisas no plano real, o corpo pede pra liberar a energia contida nele. Mas quando se abre a porta do "universo particular" e a visão é de rostos incrédulos, confusos, decepcionados, de reprovação... o peso é tal que as costas se encurvam e voltam de onde vieram.
Lembro de algumas vezes ter lutado pra sair do quarto, sair da culpa de querer me expor um pouco ao mundo, de fazer coisas novas. Os resultados foram um tanto catastróficos e hoje vejo, não somente pra mim. Minha família tem alma de artista, muito dramáticos, perfeitos pra operas shakespearianas. Frases do tipo: “você não gosta da sua família”, “você não se importa conosco e quer distância de nós”, “por que está sempre com essa cara de merda?”, “reage, isso é falta de ocupação”, “você é sempre do contra” foram me silenciando aos poucos. Engoli a seco um caos que não conseguia por fim. Tentar compreender é muito difícil e não estou sendo irônica. Reagir ao que não se compreende não é tão difícil assim.
Caminhando pra idade adulta, e tendo de entrar pro mundo “real” eu já era uma pessoa cheia de inseguranças e medos. Mas claro, como todo bom TDAH, me joguei nas possibilidades que se abriam diante de mim. Em todas. Depois de alguns anos acabei por descobrir o que de melhor faço nessa vida: Desistir. Nada se comparava a essa fantástica habilidade adquirida quase que naturalmente: empolgar-se, começar e... desistir. Simples assim.
O que fazer? Pra onde ir? Cada dia uma resposta. Cada dia uma frustração. Por quê? Emocionalmente: uma hora bem, uma hora mal, uma hora feliz, outra miserável, uma hora dócil, outra um monstro. Desejei tanto que alguém, um alguém qualquer, perdido por aí, me cutucasse as costas, me desse um abraço e me dissesse que ia ficar tudo bem. Que havia um caminho.
Passei assim, debaixo de uma montanha de confusão, desorganização, esquecimentos, frustrações, lágrimas, impulsividades, perdas e tristezas solitárias por anos. Tentei tirar o cocô grudado nos meus tamancos, esfregando os pés numa moitinha, mas nada. Ele havia grudado pra valer.
Foi só quando já não havia mais nada que minha cabeça pudesse tirar de mim que parei no médico. E foi só assim que minha família, especialmente meu pai, passou a me ver diferente: quando cheguei do consultório médico com uma pá de receitas na mão: antidepressivos, estabilizadores de humor, ritalina, rivotril.

Faz um tempo já, devaneando no meu quarto, olhando pela janela gradeada, levantei de súbito (ah impulsividade...!). Tantos anos limitada a olhar por frestas...
Peguei uma chave de fenda e um alicate e removi as grades da janela. Não posso descrever o prazer de tirar cada parafuso. Sentei nela com os pés pra fora e o mundo me pareceu, de algum modo, diferente.

3 comentários:

  1. Ana! sou sua fã! sou recém diagnosticada pela psicologa...Mas ainda aguardo desesperada e ansiosamente pela consulta com o psiquiatra.Restam 8 dias e estou surtando aqui.me sinto pior do que nunca.Ana,pelo amor de deus,me diz se é possível ser feliz de verdade sendo um portador de tdah,se um dia você finalmente enxerga a felicidade,ou será sempre uma luta entre o que é real e o que é fantasia?

    De resto meu bem...meus parabéns!se ser um tdah feliz é ser como você,ajudando tanta gente...então acho que não tenho do que reclamar no final das contas.abraços de uma grande fã.

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    1. Querida Nadir,
      Primeiro, muito obrigada pelas palavras. De verdade, elas me ajudam um tantão! Mais do que talvez possa imaginar. É sempre muito bom saber que não estamos sozinhos nessa luta contra transtornos e problemas emocionais que tanta aflição e dúvidas nos causam, certo?
      Agora, que bom que foi diagnosticada! Adquira o máximo possível de informações a respeito enquanto aguarda a consulta com seu médico! (E acima de tudo, NÃO desista do tratamento, mesmo que de início ele naõ tenha o efeito desejado, ok?)
      Você me pergunta se pode-se enxergar felicidade ou se será sempre uma luta... farei um post sobre isso, ok? rs
      Grande abraço e conte comigo pro que precisar!
      Bju grande e boa consulta!!!

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    2. Ana,Muito obrigada você! Tudo o que você oferece é um alento..."aquele abraço" que um dia você quis receber,hoje,é você quem dá.DEUS TE ABENÇOE SEMPRE!

      Quanto ao tratamento,jamais desistirei.Muitíssimo obrigada pela dica.

      bjs mil pra você e saiba que volto para checar o post sobre felicidade e todos os outros que você nos agraciar.

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